sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Um Pouco sobre o artista, por Dodôra Guimarães.

O Escultor Bosco Lisboa Guarda em sua memória de barro reminiscências incomuns. Relembra que quando menino, vez por outra, na Eletrônica Padre Cícero, de seu pai, em Juazeiro do Norte/CE, trivial bordão do concerta-se rádio, vitrola, televisor, geladeira, era substituído pela epifania lamuriante de Frei Damião e de seus seguidores. Adentrando no coração devoto dos proprietários e dos demais presentes a voz sussurrante do famoso peregrino do sertão reverberava nas prateleiras apinhadas de objetos à espera de concertos. Aos olhos grelados do meninote, estas aparições “mágicas”congelavam tudo à volta. Na sua mente imaginativa aquelas constelações terrenas, como espectros de pó ganhando movimento podiam dissipar-se e voar janelas afora, ganhando os ares como nos filmes de animação.

Não éramos benditos ou as preces que atingiam os ouvidos de Bosco Lisboa. Mas o silêncio daqueles objetos inertes, com suas formas provocativas, sedutoras. O seu interesse, portanto, era dar velocidade àquele filme cujo enredo o emaranhava todo. Sonhava dominando o tempo, e no mesmo sonho soprava o movimento.

Quando seus pais abdicaram do comércio para seguir a rota missionária de Frei Damião, coube a Bosco a herança da oficina eletrônica, logo transformada em atelier de arte. O antigo ambiente, com seus objetos e ferramentas migraram para o pensamento do artista que mesclou à sua existência o barro da criação.

Da arte santeira do início, nos moldes da repetição romeira, partiu para experiências realmente inventivas, condizentes com as reminiscências que latejavam na sua imaginação. Descobriu-se, finalmente, no sítio Touro e, posteriormente no bairro Tiradentes, no convívio com oleiros e outros mestres viu que seu universo era maior e podia se expandir com o barro que moldava nas mãos.

Foi buscando a si, no barreiro do seu interior, que Bosco Lisboa, o Bosquinho, como ainda hoje é chamado pela mestra Cícera Fonseca e pelas Marias dos temas, que também emergiram no Tiradentes, encontrou as pegadas que o levariam às paredes e muros do seu cotidiano.Observando com aquela mesma avidez da infância o ritmo de um relógio parado, ou desconcertando-se com o movimento da roda na sua mais completa imobilidade, o artista deslumbra-se com o mundo à sua volta. Girando em torno do que está à sua frente, sem pressa, quase em câmera lenta o nosso escultor nos relembra com ironia que se o tempo não pára, pra que colocar ponteiros num relógio que também é feito com o mesmo pó do tempo.

Será assim no oco do mundo?

Dodora Guimarães

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